27 de junho de 2010

Sabor de te carregar

Tu,
És um de sacrifício que tento levar de bom agrado.
Uma espécie de arranhão que o tempo foi sarando. Tem dias que lhe toco e é impossível ignorar o quanto arde. Já tentei escondê-lo, para que não fosse tão frequente o instinto de lhe tocar. Já lhe mexi demais, esperando habituar-me à dor. Fiz outros arranhões, para relativizar a tua imponência.
Não resultou.

Tu, és uma cor cada vez mais vaga. Cada vez mais escura.
Nunca fiz nada para que isso acontecesse. Talvez o arder do arranhão te tenha tirado o brilho. Ou a força do conforto de não te lembrar, vivo. Já não corro atrás das lembranças boas, com medo de as perder. Não corro, porque me cansa a inutilidade desse esforço. Mas e o medo?

Tu,
Foste algo de bom (?)
Não me lembro exactamente qual era a sensação, mas sei que todas as metáforas serviam. Abundavam os recursos e o floreado nas expressões. Era na altura quase tão absurda como sou hoje. Pelo menos era um absurdo fundamentado.

Dissiparam-se as formas e os contornos.
Eu, não vejo mais do que uma sombra, vestígios dela. Resta o sacrifício que, com medo do esquecimento, tento levar de bom agrado. Convenço-me de que existe um propósito. Há-de chegar o dia em que vou perceber que é mais fácil largar o peso e seguir sem ele. Estremeço. Espero, nessa altura, ser capaz de te guardar num lugar seguro onde possa visitar-te, de vez a vez, e lembrar o sabor de te carregar.

Quem és, tu, afinal?