29 de setembro de 2010

Diário de Bordo

Estou sentada no terraço da nossa casa com um bloquinho que cabe na palma da mão, cheio de breves anotações. Existe uma, entre outras tão interessantes quanto esta, que diz: Banho refrescante na Pensão Ottaviana, porque nos próximos dias talvez não tenhamos a mesma sorte.

Esta referência ao dito banho faz parte da minha (falhada) tentativa de apontar todos os episódios, anseios e pensamentos que me ocorreram nesta Road Trip - que só o é de nome, com o objectivo de lhe enaltecer o estilo. Tenho de admitir que, ao fim do primeiro dia, percebi que as palavras que ia escrevendo, sem sequer me preocupar com o sentido da frase que formavam, não faziam mais do que diminuir o valor do que realmente tinha acontecido e, portanto, desisti deste plano do bloquinho.
Talvez seja culpa dele, por ser tão pequeno.
Ou talvez seja culpa minha, por ser tão pequena - pelo menos perante tamanha experiência.

O título é ilusório.
Isto não é um Diário de Bordo. É, na melhor das hipóteses, uma analepse muito pobrezinha daquilo que foi a nosso InteRail pelo norte de Itália. Considerando que me servirei apenas da minha memória - a qual, aviso desde já àqueles que não me conhecem, não é muito diferente da de um peixe - é mais do que provável que me escapem situações cuja relevância é mais do que suficiente para serem aqui descritas. Peço desculpa. Mais vale confiarem nas minhas colegas de aventura - que, agora, às 17h15 da tarde, dormem profundamente comprovando o quão atarefados são os nossos dias aqui, em Roma - essas sim, verdadeiras contadoras de estórias, que fazem jus à nossa semana de aventura.


Sempre fui fervorosa defensora de que os sonhos são o mais poderoso propulsor da vida humana: quando tudo à nossa volta parece acontecer ao contrário daquilo que desejamos, é com o pensamento voltado para aquilo que ainda queremos fazer que somos capazes de encher a alma. Uns acompanham-nos desde sempre, outros vão surgindo em substituição daqueles que vamos concretizando. Uns mais fortes, outros menos. Quando, ocasionalmente, chegámos à altura em que vemos realizado um sonho antigo, invade-nos uma sensação, semelhante àquela das experiências, que nos fortalece todos os sentidos e nos faz sonhar ser donos de tantos outros sonhos (e tantas outras palavras escritas).

Lembro-me de, há muito (pouco) tempo atrás, parar a imaginar o dia em que sairia, de mochila às costas e partiria a descobrir novos lugares: imaginava que teria de dormir nas estações de comboios ou em bancos de jardim; imaginava-me a usar a mesma roupa durante dias seguidos e a não ter onde tomar um banho; imaginava-me a entrar na casa de banho de um café, para poder, pelo menos, lavar os dentes; visualizava-me a encontrar cidades mágicas, a cruzar-me com pessoas muito diferentes de mim, a sentar-me no meio da rua, sem nunca tirar a mochila, para descansar os pés, e as costas. Lembro-me de pensar que esse dia, em que sairia, de mochila ás costas, iria chegar, algures, no futuro.

Não sei o que se passou entretanto, mas esse dia - pelo menos um deles - chegou, e passou.

Dia 21 de Setembro de 2010 fechei a porta, atrás de mim, contra uma mochila - emprestada pelos nossos vizinhos - com meia dúzia de mudas de roupa (das quais só chegaria a usar uma ou duas), produtos de higiene básica (também usados menos vezes do que as necessárias), toalha de banho (cujo uso não vou, sequer, comentar), sapatilhas (santas sapatilhas que, apesar de me magoarem, me aqueceram os pés em tantas noites), carteira, telemóveis, um pin absorvedor de momentos, uma mini boneca com um nome estranho, muito familiar, de 2 R's e 2 M's, uma máquina fotográfica descartável e um bilhete e uma caneta muito especiais

Quando disse, há uns dias, que tínhamos trazido parte da cor e do brilho da Villa Borghese, fechada na nossa máquina fotográfica, não fazia ideia do que estava a falar.
Desta vez sim, acredito que posso dizer de boca cheia que roubámos a alma a todos os lugares que visitámos. Num total de 5 dias e uma madrugada, tirámos exactamente 2747 fotografias. Eu podia explorar toda uma sátira complexa acerca deste número (nada abusado) ou abordar, com lamentações, o facto de a máquina digital ter destruído a magia do poder de seleccionar o que era, ou não, merecedor de um registo fotográfico. Mas a verdade é que sou uma das grandes culpadas. A outra é a Ana. E tanto eu como ela gostámos de argumentar que todas as 2747 fotos são de extrema indispensabilidade. Ou isso, ou somos loucas.
Acho que não restam dúvidas quanto ao valor da nossa argumentação.

O plano que elaborei, tão detalhadamente, na noite anterior à madrugada da nossa partida, tinha como primeiro ponto: Sair de ROMA às 5h50. Dada a qualidade da rede de transportes urbanos da cidade, este ponto não se apresentava como uma dificuldade: bastava apanhar um nocturno às 4h08 (último horário disponível) que nos levasse a Termini. Como a decisão da viagem tinha sido feita no próprio dia, não houve tempo para dormir, no meio de planificações e estudos de horários e pontos de interesse nas diferentes cidades. Depois de uma directa super agitada, saímos para apanhar o dito nocturno. Como é fácil prever, dada a nossa palermice - já várias vezes relatada nesta Caixinha - perdemos o (maldito) N2, que nos trocou as voltas e ainda nos obrigou a correr - em vão.

- Apesar de todos os infortunios que nos foram acontecendo, é importante referir que a sorte, ainda que bastante disfarçada, esteve sempre do nosso lado. -

Dito isto, introduzo uma Principesco Salvador, membro da nossa tão bela Comunidade Portuguesa, que, ignorando o sono (claramente visível na sua cara) nos encaminhou, a pé, durante uns longos 30 minutos, até à estação. Mal chegámos, o meu bichinho da fotografia acordou e pedi à Ana que pegasse na maravilhosa máquina e tirasse a primeira foto. Bem, sem ser sequer necessário referir a palavra palermice (até porque se o fizer de todas as vezes em que ela é adequada, vou gastá-la, com toda a certeza), percebemos que não tínhamos trazido o cartão de memória. Nem o horário de todos os comboios italianos - grande bíblia na qual gastámos uns preciosos 5 euros.
Ora, até era possível sobreviver uma semana sem estes dois elementos, mas se, no final dos cerca de 10 minutos de reflexão acerca do que fazer para resolver a situação, tivéssemos decidido seguir viagem, provavelmente teríamos ficado presas em cidades durante mais dias do que o previsto e não teríamos tido tempo para visitar tudo o que queríamos e, pior do que isso: hoje, não existiriam as 2747 fotografias tão valiosas que vão, sem a menor dúvida, surpreender os nossos netos.
Voltámos a casa para reaver os nossos tesouros esquecidos e acabámos por apanhar o comboio à hora certa, numa estação mais próxima da nossa casa, cuja existência só foi lembrada pela Maria Inês, depois de toda esta panóplia. Enfim, palermices.
Apanhámos o comboio, dormimos durante a viagem e percebemos, imediatamente, que a (pouca) roupa (pouco) quente que tínhamos trazido, não ia ser suficiente para abrigar as nossas noites ao relento. Pela terceira vez desde que aqui estamos - verdadeiras sem-abrigo.

Chegámos a Perúgia muito cedo e encontrámos uma cidade com uma beleza natural bem mais rica do que aquela que tínhamos visto, até então, aqui em Itália.
Pequena, acolhedora, de pessoas humildes e sorridentes.

Por sugestão das minhas companheiras, guardo o resto para outra altura.
Por lealdade à minha memória de peixe, não garanto mais detalhe do que isto.

Fica a certeza: a culpa é minha, por ser tão pequena - pelo menos perante tamanha experiência.


Perúgia - 21 Setembro 2010
 

20 de setembro de 2010

Road Trip

Comprámos o nosso bilhete InterRail.
É um bilhete relativamente barato que nos permite viajar por toda a Itália durante três dias, sem limitação de destinos.
Para além do bilhete, temos umas canetas especiais que, se tudo correr bem, vão alargar esses três dias por um período de um mês.

Plano? Sair hoje às 5h50 da manhã e só voltar a Roma no próximo Domingo, dia 26 de Setembro, às 23h39. Decidimos não levar computador ou qualquer outro tipo de utensílio que não passe de um capricho. Vamos de mochila às costas, com meia dúzia de mudas de roupa e tantas sandes quanto as que conseguirmos carregar. Das 5 noites que vamos passar fora, duas vão ser feitas em viagem.

Vamos visitar Perugia, Florença, Milão, Verona, Veneza e Siena.
Estamos, agora, a investigar cada uma destas cidades para garantir que as aproveitamos ao máximo.

Gostava de descrever tudo aqui, mas temos menos de 5h para delinear um plano exequível, arranjar hosteis em 3 das cidades, recolher o máximo de informação de cada uma delas, confirmar horários de comboios, verificar localizações de estações e pontos de referência, fazer uma estimativa do dinheiro necessário, seleccionar as coisas a levar e organizá-las na tal mochila (que ainda vamos arranjar, com toda a certeza, junto dos nossos vizinhos), preparar sandes, dormir umas boas horas e sair.

O melhor é parar com isto e descrever tudo quando voltar.
Até daqui a uma semana.

19 de setembro de 2010

Homeless

Bem, ontem despedi-me em modo inglês com breves tentativas de parlare italiano.

Quase 24h depois, estou sentada no chão da casa dos nossos vizinhos, a cheirar terrivelmente mal, com uma larica bastante forte, a ouvir música que não ouvia há muito tempo, a beber chá verde bem quentinho, descalça, com uma t-shirt no lugar do vestido molhado e a querer muito ir para casa tomar um banho quentinho, vestir uma roupa lavadinha e fazer uma gigante tosta mista na nossa (ainda por estrear) tostadeira.

Quero muito, mas não posso.
À festa do João vieram, para além dos convidados, uma mão cheia de desconhecidos. Como boa Comunidade Portuguesa que somos, cantámos Imaculadas com eles e partilhámos muita da nossa cultura, quer gastronómica, quer intelectual. Ainda assim, por via das dúvidas, sentimos necessidade de fechar as portas das casas não utilizadas, coisa que normalmente não acontece.

Podia contar muitos episódios, mas a verdade é que nenhum é tão interessante quanto aquele que nos trouxe à nossa situação actual: Existem quatro chaves para as duas casas onde eu, a Ana, a Maria e a Mariana vivemos; para além de nós, a Sara e a Cláudia têm dormido lá. Somos seis, portanto, a viver naquelas duas casas. Ontem, durante a festa, nenhuma de nós se lembrou de guardar uma chave no bolso e levá-la, para todo o lado. A dada altura, era meia noite e estávamos fechadas fora de casa, sem forma de entrar, com todos os nossos documentos e dinheiro lá dentro.
Pela segunda vez, desde que chegamos a Roma, somos umas verdadeiras sem-abrigo.
Ontem era tarde para chamar o nosso senhorio, e hoje ele foi passear para fora da cidade.

Passámos a noite no chão de casa alheia, com companhia alheia; acordámos junto das restantes 7 pessoas que dormiram nesta casa, transpiradas e mal-cheirosas.
Vimos filmes, comemos o sagrado pão com Nutella, jogámos cartas, discutimos e ouvimos a chuva lá fora.

Somos sem-abrigo mal cheirosas, de tal forma mais cheirosas que o barulho das gotas grossas da chuva nos soou como a perfeita oportunidade para refrescar. Apesar das toalhas sequinhas que o Pedro e o João nos emprestaram, duvido que sobrevivamos a este dia sem uma constipaçãozinha.

'Sou mais que vosso pai!'
E não é que o João tem razão, desta vez?

18 de setembro de 2010

Modo Erasmus: On!

Num suspiro muito sossegado e pessoal: 'Porque é que Nutella tem de ser tão bom?'
A Ana é como eu: para enganar a consciência, come meia fatia de pão de cada vez. A Mariana gosta tanto de chocolate que prefere abdicar dos farináceos. Já a Maria alterna a Nutella com a manteiga e lá vai sendo a mais saudável das quatro. No final comemos sempre o 'iogurte comunitário' e combinámos que para a próxima matamos o bichinho com uma peça de fruta. O que vale é que já nos vamos conhecendo e, portanto, podemos todas descansar porque, quando nos voltar o bichinho, ninguém se vai opor à Nutella.
O nosso dia-a-dia vai-se fazendo assim: entre passeios, festas, alvoradas tardias, sessões de séries e filmes de altíssima qualidade, sessões fotográficas, pausas musicais, almoços e jantares na cantina, palermices.
Há duas semanas, chegámos a uma cidade desconhecida. Dormíamos não mais do que 6h/7h por dia, saímos do Hostel e corríamos - todo o dia - de mochila ao peito (para evitar roubos), enquanto tentávamos decifrar mapas ou indicações de italianos.
Hoje, vivemos numa cidade que vamos aprendendo a conhecer. Dormimos mais do que devíamos, saímos de casa e corremos - porque queremos apanhar a cantina aberta - de carteirinha ao ombro, enquanto tentamos decidir se havemos de esperar pelo autocarro que nos leve duas paragens mais à frente ou se vamos a pé.

É estranho, isto de dizer que vivemos aqui.
Temos a rotina, temos o conforto. Mas a rotina continua a ser uma novidade todos os dias, e o conforto é semelhante àquele que temos quando estamos de férias.

No dia 11 de Setembro, o Coliseu foi o pano de fundo da nossa primeira verdadeira aventura nocturna. Levámos comida, bebida, experiências novas e abusámos daquele lugar que já nos é sagrado.
No dia 13, a Sara juntou-se à nossa (cada vez mais unida) comunidade e transportámos o Pulp Fiction (e a cama do Pedro e do João) para outra dimensão.
No dia 16, fomos espalhar magia pela noite de Roma. Cantámos no autocarro, e fomos aplaudidos de tal forma que confiámos no nossa valor enquanto grupo coral. Os turistas da Piazza Navona não concordaram assim tanto e tudo o que conseguimos foi um pontapé no copo que improvisámos para 'os lucros' da actuação. Ainda assim, como Comunidade Portuguesa de valor que somos, resistimos: a Cláudia enfeitiçou um palhaço e, mais tarde, com uma ajuda líquida tanto ò quanto valiosa, liderámos o Karaoke.
No dia 17, quisemos ser culturais e visitámos a Villa Borghese. Acredito que trouxemos grande parte da cor e do brilho daquele lugar, fechados nas nossas fotografias. À noite, o João transformou o Pay It Foward numa comédia.
Hoje, forçámo-nos a acordar às 9h da manhã e partimos a visitar o Museo Civilità Romana.

Agora, o João faz anos e festa mudou-se cá para casa.

Modo inglês com breves tentativas de parlare italiano: on!

Ciao!
(Podia, facilmente, habituar-me a esta rotina)

13 de setembro de 2010

Roma, cidade eterna (?)

13 de Setembro de 2010

Fazem hoje, exactamente, dez dias desde que chegámos a esta cidade encantada.

Quando dei um beijinho na mão e o soprei para os amigos e família do outro lado do vidro, tive uma sensação bastante simples, nada semelhante àquela que acreditei que ia ter: senti um friozinho, fraco, (que pode perfeitamente ter sido causado pelo ar condicionado do aeroporto) e tive vontade de sorrir, dizer 'até já' e virar costas, sem medo, rumo à aventura.
Nas horas seguintes o friozinho não cresceu, nem me invadiu uma sensação de calor. Não sentia nada. Curiosidade, talvez. Admiração, também, perante as fantásticas paisagens que as cordilheiras de nuvens formavam à minha volta.
No aeroporto de Fiumicino, percebi que carregar 3 malas muito pesadas e uma outra, pelo ombro, igualmente desconfortável, seria bem mais difícil do que aquilo que me tinha parecido, umas horas antes, quando tinha treinado o exercício dentro do meu quarto e, então, senti uma outra coisa: cansaço. Desde Fiumicino até Termini - a gigantesca e centralizada estação da cidade - passaram-se aquilo que me pareceram horas, durantes as quais quase chorámos: com medo de morrer, empurradas escadas abaixo pelas nossas próprias malas; e de tanto rir, ao olhar para a nossa própria figura.

Termini. A primeira grande impressão de Roma.
É uma espécie de S.Bento (se ignorarmos proporções): estação de combóio e metro, com ligação a todos os outros transportes (autocarro e tram) que serve como ponto de referência para todos os turistas e/ou romanos.
Afinal, as ruas eram tão sujas quanto nos tinham avisado e as pessoas não tinham um aspecto simpático e afável. Não posso dizer que tenhamos tido medo, porque, na realidade, sentíamo-nos absolutamente invencíveis com todas aquelas malas e todo aquele aspecto transpirado que, efectivamente, afastava de nós qualquer tipo de ser vivo.
Ali estávamos: sózinhas, invencíveis - mas nada confortáveis - numa cidade tão grande que descobrir a saída da sua própria estação se revelava como um desafio. O próximo passo consistia em encontrar o Hostel Beautiful II onde íamos passar as duas noites seguintes enquanto procurávamos um apartamento definitivo. Tudo o que sabíamos era que o Hostel era pertíssimo da estação, mas já que encontrar a sua saída se tinha revelado uma tarefa tão complicada, decidimos que procurar o Beautiful II a pé, com as nossas 14 malas/mochilas, seria absolutamente impossível. Já diz o pai da Maria que 'quem não sabe é como quem não vê' e, por isso, corremos para um táxi e sujeitámo-nos a pagar todas e quaisquer taxas de bagagens. Enquanto a Maria e a Mariana acompanharam as nossas malas na viagem de táxi, eu e a Ana decidimos tentar a nossa sorte, poupar o dinheiro de mais um táxi e procurar o tal Hostel. Percebemos, cerca de 2 minutos depois, que talvez os 15 minutos no meio de trânsito e os 20 euros pagos ao taxista não tenham sido o gasto mais inteligente e aceitável da nossa (ainda) curta estadia.

Como adolescentes optimistas que somos, sempre acreditámos que o Hostel teria tão bom aspecto quanto aquele sugerido pelo nome. Convencemo-nos que, ao contrário de todos os outros estudantes Erasmus, o nosso único problema seria aquele relativo às malas e que, a partir de agora, tudo correria conforme planeado.
Bem, sempre fui apologista de que tudo é relativo.
Para todos os conhecedores da música Jolie, aqui fica a nossa versão:
Beautiful, és o Hostel rasca de Roma, Roma, Roma
Anda cá, Beautiful, o teu elevador mete nojo, ai mete nojo, mete nojo, mete nojo, mete nojo!
Beautiful, beautiful, beautiful,
Oh oh oh oh
Ai se não fossem as malas, se não fossem as malas, se fossem as malas..
AI, o teu elevador... mete nojo!

Portanto: quarto no 4º piso, 14 malas e um elevador com espaço para três/quatro pessoas (MUITO) apertadas e aspecto de elevador tirado de um filme altamente terrorífico, tipo The Grudge. Foi díficil, mas sobrevivemos - o cenário era positivo.
O Beautiful II é um Hostel dirigido por Marroquinos (como tantas outras coisas por aqui, aliás!) pelos quais fomos desenvolvendo carinho. A procura de apartamento revelou-se mais difícil do que aquilo que inicialmente pensámos e acabamos por prolongar a nossa estadia no Hostel rasca de Roma por mais 3 noites. Durante 5 noites, os Marroquinos foram-se apaixonando por nós e passaram a acordar-nos todos os dias às 7h da manhã para nos trazer à cama um pequeno-almoço de café com leite, sumo e Manhazito.

Só no dia 8 de Setembro, a passada quarta-feira, é que nos mudamos para o nosso apartamento definitivo: uma casa tipo bungalow, com uma única, mas ampla, divisão com cozinha, cama de casal e sofá cama e uma casa de banho. Alugámos duas, uma ao lado da outra, e abrimos a porta que permite ligação interior. Aqui, no mesmo espaço, estão alojados outros estudantes Erasmus, maioritariamente portugueses. Não se pode dizer que o preço seja adequado, mas nada aqui o é.
Durante 5 dias corremos a cidade à procura de alojamento. Entrámos em modo: affittare un'appartamento e andámos, de um lado para o outro, a parar em todas as esquinas para ler os anúncios colados nas paredes e nos postos de electricidade. Lemos dezenas, ligámos para uns quantos, vimos meia dúzia e lá acabamos por descobrir o que melhor correspondia àquilo que procurávamos. Aqui, na nossa casa, temos internet wireless, fogão, frigorífico, armários, casa de banho privativa e uma série de outros elementos que facilitam, em muito, o nosso dia-a-dia. São casinhas - amarelas e agradáveis ao olhar - com alpendre, mesa e cadeiras de madeira. Casinhas um tanto ao quanto sossegadas - aqui, numa das principais ruas de Roma - com um cão, o Dark (que, para nós, e por motivos que mais tarde explicarei, se chama Monsenhor Agostinho). São, na verdade, tão acolhedoras quanto parecem e, por isso,  podemos dizer, de boca cheia, que aqui, na nossa casa, encontramos um abrigo.
E tenho que reforçar que, ter um abrigo nesta aventura, é algo crucial.

Antes, quando eramos literalmente sem-abrigo, a internet era limitada a uns 30 minutos diários numa lavandaria perto do nosso hostel que não tinha mais do que 3 computadores funcionais para um mar de gente que precisam tanto de net quanto nós; não comíamos mais do que pizza ou sandes; acumulávamos a roupa suja em sacos de plástico que guardávamos junto da roupa lavada, de tal forma que às vezes era dificil distinguir uma da outra; andávamos perdidas dentro dos transportes públicos; acabávamos em zonas quase para além dos limites da cidade de Roma e não sabíamos dizer mais do que: 'noi siamo quattro studentesse portoghese e vogliamo affittare un'appartamento'.

Se pensar bem, metade das coisas não são muito diferentes! Mas ao fim do dia temos uma cama confortável para onde voltar.

No meio de tantas jornadas, sem rumo certo, cruzámo-nos com os maiores monumentos da cidade. Encontrámos, ao virar da esquina, o Coliseu, o Panteão, o Vaticano, a Basílica de S.Pedro e tantas outras coisas grandiosas que, aos poucos, vamos aprendendo a identificar.
Decidimos, há uns dias, que precisávamos de um spot. Um ponto de encontro ao qual voltar caso alguém se perdesse e que, estando nós numa cidade como esta, esse spot não poderia ser a nossa casa.
Optámos pelo Coliseu.
É lá que vamos, quando nos apetece descansar.
Olhar para o Colosseo faz-me sentir pequena. É incrível, a quantidade de estórias fantásticas e intemporais que podemos imaginar (visualizar, até, se deixarmos que a nossa criatividade se expanda) quando nos sentámos no muro, de cabeça erguida e olhar fixo em todos os detalhes da ruína mais monstruosa que alguma vez vi. Ali sim, Roma é uma cidade encantada e eterna. Nada suja, nada feia, nada barulhenta.

Noutro dia, chegámos à conclusão que a procura de casa foi tão complicada porque, quando viemos para cá, tínhamos ideia de contactar com o Monsenhor Agostinho, padre português numa igreja aqui em Roma e responsável pelo IPSAR (Instituto Português Santo António Roma) que, até este ano, recebeu os estudantes de Erasmus Portugueses e os ajudou a encontrar apartamento. Quando encontrámos a Via dei Portoghese, perto da Piazza Navona, percebemos que, ao contrário daquilo que o nosso espírito positivo queria acreditar, as coisas seriam um pouco diferentes do que tínhamos imaginado. O Monsenhor expressou a sua falta de vontade e disponibilidade para nos ajudar explicando que 'estava farto dos estudantes Erasmus, que só davam problemas!'. Nem a nossa carinha mais inocente convenceu o Sr. Padre a ajudar o próximo.

No dia 5 de Setembro, primeiro domingo que cá estivemos, fomos até ao Vaticano e conhecemos um padre português bem diferente daquele. O Padre Caldas, que trabalha e vive no Pontifício Colégio Português encontrou-se connosco na Praça de S.Pedro, ofereceu-nos ajuda na procura de alojamento e o melhor almoço que tivemos até então. Há dias que não tínhamos uma refeição que pudesse ser chamada de tal e, no colégio, fomos apresentadas à típica cozinha italiana: primo prato (que, para eles, é uma mera entrada) - um prato de massa que, naquele caso, era massa à carbonara; secondo prato (este sim, 'prato principal') - que no nosso caso foi frango e batatas no forno; e a sobremesa - fruta e um geladinho Cornetto. Portanto, o nosso organismo - habituado à simples fatia de pizza ou pão - quase explodiu com tanta comida.
Quando, uma horas depois, nos conseguímos levantar, rebolámos de volta até ao Hostel.
A Ana defende que esse dia não passou de um sonho. Ela acredita que adormecemos, ao sol, na Praça de S.Pedro, e que tudo o que sucedeu nesse dia não aconteceu, na realidade. Foi nesse Domingo que conhecemos a Teresa e o seu marido italiano, o Giovanni. A Teresa é uma amiga, nossa conhecida de Portugal, muito simpática, muito disponível, que nos levou a ver casas. O Giovanni, sendo italiano, ajudou-nos a compreender as conversas que, até então, só eram perceptíveis a cerca de 10%. No dia que nos decidimos por esta, o Giovanni veio connosco, ajudou-nos a regatear o preço, leu o contracto e trouxe as nossas infinitas malas. Um casal de anjos, portanto, que, segundo a Ana, são fruto da nossa imaginação.

As festas não foram muitas, ainda. Não por não as haver, mas por falta de disponibilidade da nossa parte. O ESN (Erasmus Student Network) organiza cocktails, quase diariamente, que são uma óptima oportunidade de conhecer outros estudantes de outros países que também estão cá a estudar. Até agora, conhecemos maioritariamente portugueses, mas esperamos poder descobrir tantas outras culturas que, pelo que nos parece, estão cá muito bem representadas.

Isto está bastante extenso, eu sei. Mas, ainda assim, penso que não desabafei nem 20% daquilo que realmente vivi. Não falei do Auchan, dos amigos da Mariana, da noite em frente ao Coliseu, do poker a saquetas de chá e pensos rápidos, das picadas monumentais dos mosquitos, das sestas nos transportes públicos, das fotografias artísticas, das caminhadas nocturnas que só lembramos parcialmente, das refeições caseiras, do stop e de TANTAS outras coisas.
Todas elas (incluindo as aqui relatadas), verdadeiramente impossíveis de descrever.

O que eu acho que se passa é que, aquela sensação de friozinho fraquíssima que podia, perfeitamente, ter resultado do ar condicionado do aeroporto, foi-se fazendo forte. Agora sinto tudo. Um misto de sensações. Acordo a pensar que, afinal, isto não são só uma férias e que aquele 'até já' que quis dizer não é tão breve quanto me parecia na altura. Vai-se estabelecendo uma rotina, nada monótona, nada regular, mas uma rotina. O nosso dia-a-dia agora, e nos próximos 6 meses, vai passar a fazer-se aqui, na cidade encantada. Virei as costas, de facto, e parti, rumo à aventura.
Poderoso? Muito. Assustador? Ainda mais.

Como uma amiga me aconselhou a fazer: liguei um botão, que só se vai desligar quando estiver de volta a Portugal. Talvez nem aí.

Por isso, podes acomodar-te, Roma - Cidade Eterna, sobre a tua vitória, que prometo viver-te com esta sensação de concretização que fortaleceu todos os meus sentidos e me fez sonhar ser dona de tantas outras experiências e tantas outras palavras escritas.

3 de Setembro de 2010: Aeroporto Sá Carneiro