20 de abril de 2011

Culpa minha (?)

Dia 14 de Fevereiro de 2011.
Pela regularidade com que aqui escrevo, parece errado começar o que quer que seja com uma data, como se de um diário se tratasse. O olhar para ela desperta em mim uma revolta que não sei identificar: fico com o pé - como com o coração - irrequieto; mordo as peles dos dedos até que não haja mais o que morder; faço nós no cabelo - do jeito que a minha Ana me ensinou - com tal convicção que acabo por perder madeixas, entrelaçadas como eu; a minha respiração - como o meu raciocínio - fica lenta, estática, apática; ouço pouco mais do que ruídos, leio pouco mais do que palavras desconexas e desorganizadas; prefiro o alpendre frio e escuro ao conforto da presença humana que se sente dentro da minha casa.
Parece errado, mas é à volta dela - e desta revolta que não sei identificar - que se passeiam os meus pensamentos. E eu não sei ser, senão fiel a eles.

Voltei de Portugal ainda em 2010. Na noite de 31 de Dezembro respiramos o (nosso, tão nosso) Coliseu e estremecemos às constantes explosões nucleares pelas quais os piromaníacos italianos foram responsáveis durante toda a noite. Respiramos o Coliseu e a cidade - louca, suja, barulhenta, apinhada, surreal, maravilhosa.
O mês de Janeiro passou entre livros, trabalhos, exames, e visitas. Agora, restam-nos 92 horas para descobrir a melhor maneira de raptar a cidade e tudo o que ela nos deu.

E por aqui me fiquei - naquele dia 14 de Fevereiro. Lembro, agora, que naquele alpendre - romano, italiano, português, espanhol, sueco, internacional, nosso - fazia muito frio. Sei que as minhas mãos tremiam, apesar de não as sentir. Tinha a ponta do nariz muito vermelha e doíam-me os dedos dos pés. Era um frio desconfortável e talvez seja por isso que me tenha ficado por ali - por meia dúzia de palavras insuficientes. Talvez, só talvez, não seja culpa minha.
Sim... sem dúvida! Culpa do frio que se fazia sentir, naquele 14 de Fevereiro.

Dia 19 de Fevereiro de 2011.
Hoje, os bancos do aeroporto de Fiumincino parecem-me bastante mais desconfortáveis do que aquilo que me lembro. As pessoas - sentadas à minha frente - conversam em Português: contentes pelas férias, cansadas só de pensar em voltar ao trabalho, fascinadas com o Coliseu ou com a Fontana di Trevi. Fico irritada.
Nestes últimos dias fomos incansáveis. Descobrimos o verdadeiro Segredo de Roma, corremos a revisitar todas as Praças, todas as ruas, todas as pessoas tanto quanto nos fosse humana e fisicamente possível. Dormimos uma média de 6h por noite e reabastecemos energia com a vontade de não sair daqui. Escrever que viajamos hoje, de volta para o Porto, pela última vez, provoca em mim uma sensação esquisita, em nada agradável. Gosto de acreditar -  o tão profundamente quanto sou capaz - que continuamos a dormir na Piazza di San Pietro, naquela bem quente tarde de Verão.
Respirei o lugar tanto quanto consegui. Espero que o suficiente para sobreviver aí... aqui.

Desta vez não tremia com o frio, nem tinha a ponta do nariz vermelha, nem me doíam os dedos dos pés. O bloco era novo, limpo, com cheirinho a folhas recicladas - como em gosto. O lápis estava afiado e, apesar dos bancos estarem particularmente desconfortáveis, o facto de eu poder estender as pernas por cima da minha mala e fazer de mim um arranjo de logística, criava uma espécie de suporte sobre o qual era relativamente fácil escrever. Definitivamente, não foi culpa do frio ou do desconforto - a escassez de palavras (sempre insuficientes!), naquele dia 19 de Fevereiro.

Passaram dois meses. Estes, muito mais longos do que qualquer outros. Enchi o meu quarto de coisinhas de Itália, vi e revi dezenas de milhares de fotografias e vídeos, li coisas, escrevi coisas, desabafei coisas, ouvi coisas, ri, chorei, sorri, tremi, contei... Pedacinhos disto e daquilo, fugas momentâneas à Cidade Eterna. Meti-me em todos os projectos que consegui, ocupei todos os espaços do meu dia; não guardei quase espaço para dormir. Assim não penso. Pensar incomoda como andar à chuva.
Tenho evitado parar. Não é o frio, ou o desconforto; é o pensar.
Sim... sem dúvida! Culpa do medo de pensar.

Ontem, e apesar de estar de férias, saí de casa muitíssimo cedo. Precisava de ir à Reitoria entrevistar uma senhora que me tinha pedido para ir lá no dia seguinte mas que afinal não me podia ajudar porque não colaborava com a área que eu precisava, ao contrário do que me tinha dito no dia anterior; depois tive de ir até ao ICBAS porque afinal era lá que estavam as pessoas que eram da área que eu precisava e que me podiam ajudar, só para perceber - lá no ICBAS - que acontece que certas pessoas levam as férias a sério e por isso não estão disponíveis para ajudar apesar de serem exactamente as pessoas que colaboram com a área que eu precisava; correr para a Faculdade e ir até à biblioteca para recolher contactos telefónicos para depois ser possível fazer entrevistas ao telefone do estúdio de rádio numero 5 que nessa manhã funcionara perfeitamente mas que a partir do momento em que fui para lá com a Eduarda deixa de funcionar e então já não é possível fazer as entrevistas via telefónica a não ser gravando de uma forma parva e pouco técnica utilizando o gravador que estava sem bateria; escrever 3 artigos sobre 3 temas completamente diferentes, nomeadamente, as eleições antecipadas, a geração erasmus e o voluntariado na UP sendo que estes devem ter, respectivamente, 20000, 7500 e 2500 caracteres e cujo deadline é na próxima quinta-feira de manhã; acabar exercícios de Flash exercícios esses que estavam meios feitos na pen que perdi algures nesta semana onde estava também a única aplicação de Flash que eu utilizo o que significa que agora é muitíssimo mais difícil ter tempo para os fazer considerando que como não consigo sacar a aplicação da net tenho que me deslocar à faculdade; começar a pesquisar para o trabalho de Comunicação Política avaliado pelo professor Milan Rados o que me deixa particularmente nervosa uma vez que chorei numa apresentação de um trabalho para ele no ano passado e que este ano não faço ainda sequer ideia do que vou fazer e tenho de apresentar na próxima semana; fazer o trabalho de GIC cadeira a qual presenciei uma só vez e cujo projecto tem data de entrega a próxima semana também e as minhas colegas de grupo não são do Porto.
À hora que saí de casa, fazia sol e nada denunciava um dia que não envolvesse calor e um céu muito azul. Já várias vezes me avisaram que nem sempre o que se passa nessa zona onde tu vives é o mesmo que se passa no resto do mundo!, mas eu - como defendo convictamente que a minha zona é bastante central - ignoro estes conselhos em forma de sátira e confio no que a minha rua me diz. Ontem, saí muitíssimo cedo e com um casaco bem fresco, nada impermeável. No Porto - claro - chovia bastante. Daquela chuva que não se vê, nem se sente sequer, mas que inacreditavelmente (e inevitavelmente!) encaracola as repas esticadas, deixa as meias húmidas e frias,  e resulta numa dor de garganta no dia seguinte.
Foi um dia particularmente stressante.

À noite, quando finalmente me deitei, não me senti irritada.
Soube-me bem, sentir-me assim ocupada. Gosto de ter o que fazer, até gosto de não saber como o fazer. A sensação de estar sobre pressão ensina-nos a valorizar as situações em que não estamos.
Concluí: andar à chuva não é uma coisa que incomode assim tanto. Talvez pensar não o seja também.

E tentei pensar. Tentei pensar Roma, pensar Erasmus. Tentei, mentalmente, (re)construir aquela experiência que me disse tanto, me deu tanto, me fez tanto. Tentei pô-la em imagens, em frases, gestos, sons. Tentei.


Sim... sem dúvida!
Culpa minha, per essere così piccola, almeno davanti a tale esperienza.