13 de setembro de 2010

Roma, cidade eterna (?)

13 de Setembro de 2010

Fazem hoje, exactamente, dez dias desde que chegámos a esta cidade encantada.

Quando dei um beijinho na mão e o soprei para os amigos e família do outro lado do vidro, tive uma sensação bastante simples, nada semelhante àquela que acreditei que ia ter: senti um friozinho, fraco, (que pode perfeitamente ter sido causado pelo ar condicionado do aeroporto) e tive vontade de sorrir, dizer 'até já' e virar costas, sem medo, rumo à aventura.
Nas horas seguintes o friozinho não cresceu, nem me invadiu uma sensação de calor. Não sentia nada. Curiosidade, talvez. Admiração, também, perante as fantásticas paisagens que as cordilheiras de nuvens formavam à minha volta.
No aeroporto de Fiumicino, percebi que carregar 3 malas muito pesadas e uma outra, pelo ombro, igualmente desconfortável, seria bem mais difícil do que aquilo que me tinha parecido, umas horas antes, quando tinha treinado o exercício dentro do meu quarto e, então, senti uma outra coisa: cansaço. Desde Fiumicino até Termini - a gigantesca e centralizada estação da cidade - passaram-se aquilo que me pareceram horas, durantes as quais quase chorámos: com medo de morrer, empurradas escadas abaixo pelas nossas próprias malas; e de tanto rir, ao olhar para a nossa própria figura.

Termini. A primeira grande impressão de Roma.
É uma espécie de S.Bento (se ignorarmos proporções): estação de combóio e metro, com ligação a todos os outros transportes (autocarro e tram) que serve como ponto de referência para todos os turistas e/ou romanos.
Afinal, as ruas eram tão sujas quanto nos tinham avisado e as pessoas não tinham um aspecto simpático e afável. Não posso dizer que tenhamos tido medo, porque, na realidade, sentíamo-nos absolutamente invencíveis com todas aquelas malas e todo aquele aspecto transpirado que, efectivamente, afastava de nós qualquer tipo de ser vivo.
Ali estávamos: sózinhas, invencíveis - mas nada confortáveis - numa cidade tão grande que descobrir a saída da sua própria estação se revelava como um desafio. O próximo passo consistia em encontrar o Hostel Beautiful II onde íamos passar as duas noites seguintes enquanto procurávamos um apartamento definitivo. Tudo o que sabíamos era que o Hostel era pertíssimo da estação, mas já que encontrar a sua saída se tinha revelado uma tarefa tão complicada, decidimos que procurar o Beautiful II a pé, com as nossas 14 malas/mochilas, seria absolutamente impossível. Já diz o pai da Maria que 'quem não sabe é como quem não vê' e, por isso, corremos para um táxi e sujeitámo-nos a pagar todas e quaisquer taxas de bagagens. Enquanto a Maria e a Mariana acompanharam as nossas malas na viagem de táxi, eu e a Ana decidimos tentar a nossa sorte, poupar o dinheiro de mais um táxi e procurar o tal Hostel. Percebemos, cerca de 2 minutos depois, que talvez os 15 minutos no meio de trânsito e os 20 euros pagos ao taxista não tenham sido o gasto mais inteligente e aceitável da nossa (ainda) curta estadia.

Como adolescentes optimistas que somos, sempre acreditámos que o Hostel teria tão bom aspecto quanto aquele sugerido pelo nome. Convencemo-nos que, ao contrário de todos os outros estudantes Erasmus, o nosso único problema seria aquele relativo às malas e que, a partir de agora, tudo correria conforme planeado.
Bem, sempre fui apologista de que tudo é relativo.
Para todos os conhecedores da música Jolie, aqui fica a nossa versão:
Beautiful, és o Hostel rasca de Roma, Roma, Roma
Anda cá, Beautiful, o teu elevador mete nojo, ai mete nojo, mete nojo, mete nojo, mete nojo!
Beautiful, beautiful, beautiful,
Oh oh oh oh
Ai se não fossem as malas, se não fossem as malas, se fossem as malas..
AI, o teu elevador... mete nojo!

Portanto: quarto no 4º piso, 14 malas e um elevador com espaço para três/quatro pessoas (MUITO) apertadas e aspecto de elevador tirado de um filme altamente terrorífico, tipo The Grudge. Foi díficil, mas sobrevivemos - o cenário era positivo.
O Beautiful II é um Hostel dirigido por Marroquinos (como tantas outras coisas por aqui, aliás!) pelos quais fomos desenvolvendo carinho. A procura de apartamento revelou-se mais difícil do que aquilo que inicialmente pensámos e acabamos por prolongar a nossa estadia no Hostel rasca de Roma por mais 3 noites. Durante 5 noites, os Marroquinos foram-se apaixonando por nós e passaram a acordar-nos todos os dias às 7h da manhã para nos trazer à cama um pequeno-almoço de café com leite, sumo e Manhazito.

Só no dia 8 de Setembro, a passada quarta-feira, é que nos mudamos para o nosso apartamento definitivo: uma casa tipo bungalow, com uma única, mas ampla, divisão com cozinha, cama de casal e sofá cama e uma casa de banho. Alugámos duas, uma ao lado da outra, e abrimos a porta que permite ligação interior. Aqui, no mesmo espaço, estão alojados outros estudantes Erasmus, maioritariamente portugueses. Não se pode dizer que o preço seja adequado, mas nada aqui o é.
Durante 5 dias corremos a cidade à procura de alojamento. Entrámos em modo: affittare un'appartamento e andámos, de um lado para o outro, a parar em todas as esquinas para ler os anúncios colados nas paredes e nos postos de electricidade. Lemos dezenas, ligámos para uns quantos, vimos meia dúzia e lá acabamos por descobrir o que melhor correspondia àquilo que procurávamos. Aqui, na nossa casa, temos internet wireless, fogão, frigorífico, armários, casa de banho privativa e uma série de outros elementos que facilitam, em muito, o nosso dia-a-dia. São casinhas - amarelas e agradáveis ao olhar - com alpendre, mesa e cadeiras de madeira. Casinhas um tanto ao quanto sossegadas - aqui, numa das principais ruas de Roma - com um cão, o Dark (que, para nós, e por motivos que mais tarde explicarei, se chama Monsenhor Agostinho). São, na verdade, tão acolhedoras quanto parecem e, por isso,  podemos dizer, de boca cheia, que aqui, na nossa casa, encontramos um abrigo.
E tenho que reforçar que, ter um abrigo nesta aventura, é algo crucial.

Antes, quando eramos literalmente sem-abrigo, a internet era limitada a uns 30 minutos diários numa lavandaria perto do nosso hostel que não tinha mais do que 3 computadores funcionais para um mar de gente que precisam tanto de net quanto nós; não comíamos mais do que pizza ou sandes; acumulávamos a roupa suja em sacos de plástico que guardávamos junto da roupa lavada, de tal forma que às vezes era dificil distinguir uma da outra; andávamos perdidas dentro dos transportes públicos; acabávamos em zonas quase para além dos limites da cidade de Roma e não sabíamos dizer mais do que: 'noi siamo quattro studentesse portoghese e vogliamo affittare un'appartamento'.

Se pensar bem, metade das coisas não são muito diferentes! Mas ao fim do dia temos uma cama confortável para onde voltar.

No meio de tantas jornadas, sem rumo certo, cruzámo-nos com os maiores monumentos da cidade. Encontrámos, ao virar da esquina, o Coliseu, o Panteão, o Vaticano, a Basílica de S.Pedro e tantas outras coisas grandiosas que, aos poucos, vamos aprendendo a identificar.
Decidimos, há uns dias, que precisávamos de um spot. Um ponto de encontro ao qual voltar caso alguém se perdesse e que, estando nós numa cidade como esta, esse spot não poderia ser a nossa casa.
Optámos pelo Coliseu.
É lá que vamos, quando nos apetece descansar.
Olhar para o Colosseo faz-me sentir pequena. É incrível, a quantidade de estórias fantásticas e intemporais que podemos imaginar (visualizar, até, se deixarmos que a nossa criatividade se expanda) quando nos sentámos no muro, de cabeça erguida e olhar fixo em todos os detalhes da ruína mais monstruosa que alguma vez vi. Ali sim, Roma é uma cidade encantada e eterna. Nada suja, nada feia, nada barulhenta.

Noutro dia, chegámos à conclusão que a procura de casa foi tão complicada porque, quando viemos para cá, tínhamos ideia de contactar com o Monsenhor Agostinho, padre português numa igreja aqui em Roma e responsável pelo IPSAR (Instituto Português Santo António Roma) que, até este ano, recebeu os estudantes de Erasmus Portugueses e os ajudou a encontrar apartamento. Quando encontrámos a Via dei Portoghese, perto da Piazza Navona, percebemos que, ao contrário daquilo que o nosso espírito positivo queria acreditar, as coisas seriam um pouco diferentes do que tínhamos imaginado. O Monsenhor expressou a sua falta de vontade e disponibilidade para nos ajudar explicando que 'estava farto dos estudantes Erasmus, que só davam problemas!'. Nem a nossa carinha mais inocente convenceu o Sr. Padre a ajudar o próximo.

No dia 5 de Setembro, primeiro domingo que cá estivemos, fomos até ao Vaticano e conhecemos um padre português bem diferente daquele. O Padre Caldas, que trabalha e vive no Pontifício Colégio Português encontrou-se connosco na Praça de S.Pedro, ofereceu-nos ajuda na procura de alojamento e o melhor almoço que tivemos até então. Há dias que não tínhamos uma refeição que pudesse ser chamada de tal e, no colégio, fomos apresentadas à típica cozinha italiana: primo prato (que, para eles, é uma mera entrada) - um prato de massa que, naquele caso, era massa à carbonara; secondo prato (este sim, 'prato principal') - que no nosso caso foi frango e batatas no forno; e a sobremesa - fruta e um geladinho Cornetto. Portanto, o nosso organismo - habituado à simples fatia de pizza ou pão - quase explodiu com tanta comida.
Quando, uma horas depois, nos conseguímos levantar, rebolámos de volta até ao Hostel.
A Ana defende que esse dia não passou de um sonho. Ela acredita que adormecemos, ao sol, na Praça de S.Pedro, e que tudo o que sucedeu nesse dia não aconteceu, na realidade. Foi nesse Domingo que conhecemos a Teresa e o seu marido italiano, o Giovanni. A Teresa é uma amiga, nossa conhecida de Portugal, muito simpática, muito disponível, que nos levou a ver casas. O Giovanni, sendo italiano, ajudou-nos a compreender as conversas que, até então, só eram perceptíveis a cerca de 10%. No dia que nos decidimos por esta, o Giovanni veio connosco, ajudou-nos a regatear o preço, leu o contracto e trouxe as nossas infinitas malas. Um casal de anjos, portanto, que, segundo a Ana, são fruto da nossa imaginação.

As festas não foram muitas, ainda. Não por não as haver, mas por falta de disponibilidade da nossa parte. O ESN (Erasmus Student Network) organiza cocktails, quase diariamente, que são uma óptima oportunidade de conhecer outros estudantes de outros países que também estão cá a estudar. Até agora, conhecemos maioritariamente portugueses, mas esperamos poder descobrir tantas outras culturas que, pelo que nos parece, estão cá muito bem representadas.

Isto está bastante extenso, eu sei. Mas, ainda assim, penso que não desabafei nem 20% daquilo que realmente vivi. Não falei do Auchan, dos amigos da Mariana, da noite em frente ao Coliseu, do poker a saquetas de chá e pensos rápidos, das picadas monumentais dos mosquitos, das sestas nos transportes públicos, das fotografias artísticas, das caminhadas nocturnas que só lembramos parcialmente, das refeições caseiras, do stop e de TANTAS outras coisas.
Todas elas (incluindo as aqui relatadas), verdadeiramente impossíveis de descrever.

O que eu acho que se passa é que, aquela sensação de friozinho fraquíssima que podia, perfeitamente, ter resultado do ar condicionado do aeroporto, foi-se fazendo forte. Agora sinto tudo. Um misto de sensações. Acordo a pensar que, afinal, isto não são só uma férias e que aquele 'até já' que quis dizer não é tão breve quanto me parecia na altura. Vai-se estabelecendo uma rotina, nada monótona, nada regular, mas uma rotina. O nosso dia-a-dia agora, e nos próximos 6 meses, vai passar a fazer-se aqui, na cidade encantada. Virei as costas, de facto, e parti, rumo à aventura.
Poderoso? Muito. Assustador? Ainda mais.

Como uma amiga me aconselhou a fazer: liguei um botão, que só se vai desligar quando estiver de volta a Portugal. Talvez nem aí.

Por isso, podes acomodar-te, Roma - Cidade Eterna, sobre a tua vitória, que prometo viver-te com esta sensação de concretização que fortaleceu todos os meus sentidos e me fez sonhar ser dona de tantas outras experiências e tantas outras palavras escritas.

3 de Setembro de 2010: Aeroporto Sá Carneiro

4 comentários:

  1. Ai que li tanta coisa que nem sei o que comentar... Mas posso dizer que me ri muito com todas as vossas aventuras!

    De tudo, só te digo que compreendo bem esse 'até já' e que falei sobre ele com a Inês... Esse tempo vai passar rápido, rápido! :)

    Um grande beijo*

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  2. O teu (meu) pin tem estado sempre comigo, por isso podes rir com todas essas aventuras como se fossem tuas também!

    Vem cá fazer-nos uma visita.
    É um 'até já' traiçoeiro, mas sim, tenho a certeza que vai passar rápido, rápido.

    Um beijo enorme *

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  3. AAhh :) assim sim! O (meu) teu pin é para visitar tudo! Mesmo como se fosse eu! ahahah *
    Vou fazer os possiveis para dar aí um saltinho! :)

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  4. E quer queiras quer não esse botão não desliga.
    Porque tens uma rotina, mas todos os dias desses seis meses vão ser novos,diferentes!

    Concha :')

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